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Serviços públicos de terceiro mundo e carga tributária beirando os 40% do Produto Interno Bruto (PIB) não combinam. Burocracia fiscal que emperra o desenvolvimento é incoerência. Por isso, qualquer medida tomada pelo Congresso Nacional para reduzir a carga tributária e facilitar o empreendedorismo é bem-vinda.


A luta pela desburocratização e pelas pequenas empresas vem de Hélio Beltrão e Piquet Carneiro nos anos 1980. O conservadorismo cartorário e fiscal é responsável pela demora de décadas. Editada a Lei Complementar nº 147, que amplia o universo de empresas aceitas no chamado Supersimples, que é o regime simplificado de recolhimento de tributos federais, estaduais e municipais para microempresas e empresas de pequeno porte, oriundo do Simples criado pela Lei nº 9.317, de 1996, e reformulado pela Lei Complementar nº 123, de 2006, e passada a euforia inicial, cabe refletir sobre sua legitimidade, vantagens e vicissitudes.


A Constituição preconiza tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte (artigo 170, IX), justificando-se a reclamada tributação reduzida e a simplificação e o barateamento da vida dos empreendedores a que se destina a legislação de regência.


Micro e pequenas empresas são responsáveis por expressiva parcela do PIB brasileiro e grande parte do emprego no país, o que faz delas também um segmento gerador de receita tributária. Portanto, são méritos do Supersimples a indução à formalização da atividade econômica e do trabalho, com potencial para servir ao desenvolvimento nacional.


Não obstante, a tributação por esse sistema simplificado caracteriza-se por tomar como base a receita bruta das empresas e não o seu lucro nem o valor agregado em suas operações, o que pode gerar sobrecarga fiscal, máxime para as empresas que façam uso otimizado do conhecimento ou tecnologia, com menor emprego de mão de obra, ou ainda para aquelas que se dediquem a ramos de negócios geradores de empregos de baixa qualificação profissional. Como o volume da folha de pagamento é fator que impacta para mais ou para menos a tributação pelo Supersimples, nestes casos o sistema simplificado pode significar carga tributária pesada, frustrando seus objetivos.


Muito mais se espera da classe política. Embora a Constituição indique a preferência pelos impostos pessoais (artigo 145, parágrafo 1º), a tributação real, indireta, sobre o consumo básico é um insulto à capacidade contributiva da maioria da população; a substituição tributária garroteia os pequenos comércios, que antecipam à indústria o imposto sobre vendas ainda não realizadas; é baixa a tributação do patrimônio comparada com a vigente nos países centrais, onde serve de instrumento de democratização; a lei complementar exigida para a tributação de heranças ocultas no exterior ainda não foi editada; o imposto territorial rural destina-se a combater o latifúndio, mas tem arrecadação quase nula; a progressividade do Imposto de Renda das pessoas físicas é uma falácia, pois rapidamente se chega à alíquota máxima, que incide praticamente sobre rendimentos brutos, já que são mínimas as deduções de despesas; renda salarial paga imposto, dividendos são isentos; o PIS-Cofins superpõe-se ao IPI (fraudam os fundos de participação de Estados e municípios, e impedem o financiamento de políticas públicas locais) etc.


Os impostos no Brasil estão concentrados em Brasília, com reforço da DRU-desvinculação de recursos da União, mas é nos Estados e especialmente nos municípios que o federalismo fiscal deveria operar para azeitar os serviços públicos de que a população mais necessita, como educação, saúde e transporte, cuja falta desrespeita a dignidade humana e emperra o desenvolvimento do país.


Nesse cenário de escassez e pobreza de horizontes, em que falta planejamento governamental, o Legislativo faz recesso sem votar as diretrizes orçamentárias e se avulta o descumprimento da Constituição, parece imperar o desvio de finalidade no gasto público descomprometido com o futuro da nação e da sua gente. Deseducado e desindustrializado, o país importa cada vez mais produtos com alto teor tecnológico, exaurindo suas riquezas (basta lembrar que se exporta óleo cru e importa-se gasolina porque faltam refinarias e ferro é trocado por máquinas operatrizes e tatuzões de metrô).


É necessário mais que a simplificação da forma de pagar altos impostos.


José Marcos Domingues é professor titular de direito financeiro da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)


Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.


Fonte: http://www.informabrasil.com.br/preview_news_integra.php?materia=1803042&identd=1039&idusri=6382